A estética bruta de Jan Fabre


Arte/ Moda - com besouros


Na arte não existem certezas, apenas o livre arbítrio da criação através da sensibilidade de cada autor. O que mais pode causar estranheza, os traços, técnicas e meios, tudo é possível quando se pensa em arte. 

Jan Fabre, o artista belga performático, diretor, coreógrafo e estudioso do mundo das artes plásticas e cênicas, estudou Artes Decorativas e também, Belas Artes na Academia Real de Antuérpia na Bélgica. Sua obra, medida entre a contemporaneidade e o grotesco, é a prova de que, para o artista, não existem limites entre o certo e o errado, o feio e o belo, o atual e a tradição.

Jan Fabre


Fabre nasceu na década de 50, em meio à efervescência cultural de Antuérpia, cidade com um dos portos mais antigos da Europa, cosmopolita e misturada por inúmeros estilos. Passou os seus anos iniciais acompanhando o pai em visitas à casa de Rubens, pintor flamengo barroco, morto em 1640, cujas obras estão emaranhadas de batalhas, vícios, tragédias, movimentos e belezas da época; além de ter aulas de francês ministradas pela mãe.

Apaixonado por teatro, inventor de mil e uma faces, no decorrer de suas criações, o artista se diz obcecado pela noção de metamorfose, ou transformação de um ser em algo que não é, bem como pelos efeitos que a passagem do tempo pode ter sobre a vida. Transforma imaginação em esculturas antropomórficas, utilizando animais e insetos, usa fluidos do próprio corpo como material de trabalho, e choca os espectadores ao abusar de cenas de violência, escatologia e sexualidade em peças performáticas, uma das artes que ele domina com distinção.

De suas obras mais famosas, uma, porém, foi muito criticada. Criada em 2002, para decorar um salão do Palácio Real de Bruxelas e intitulada “Heaven of Delight”, o artista simplesmente tapou o teto do imenso salão com mais de um milhão de carapaças de besouros vindos da Tailândia. As luzes, os raios solares que atravessam os vitrais e os detalhes em ouro das paredes refletem nas carapaças criando nuances entre o verde e o azul, e um imenso lustre decorado com os insetos transcende a forma plana do teto e cria uma aproximação do espectador com a arte. Foram 3 anos planejando a instalação e 3 meses para montá-la. 

Heaven of Delight 


Fabre contou com a ajuda de 29 assistentes, dando plena abertura para que eles criassem, também, “formas” no teto. A obra está no Palácio até hoje, e mostra a união da arte contemporânea com a tradição da arte antiga.

Controverso, o artista passou por muitos países ao longo dos anos. Seu trabalho foi reconhecido e exposto na Bienal de Veneza, Berlim, Frankfurt, Munique, Budapeste, São Paulo, Amsterdam, Ghent, Lisboa, Varsóvia, Lille, Basileia, Barcelona, Bergamo, Nova York e Paris. 

Em 2008, foi convidado a expor no museu do Louvre, o mais famoso do mundo, com a obra “L’Ange de la métamorphose”, na galeria dedicada às escolas de pintura. Em sua exposição, o autor conecta seu universo a temas grandiosos, expostos nas obras de pintores como Rubens, Rembrandt, Jan van Eyck, com seu olhar contemporâneo sobre os temas pintados: morte, ressurreição, vaidade, sacrifícios, dinheiro, loucura, carnaval e batalhas. O efeito do encontro foi uma grande renovação das artes que resultou em outro convite para fazer performance no auditório do museu.


Arte com besouros



Quem é esse artista e o que o inspira? A inspiração de Fabre surge de várias vertentes. Com o pensamento na Idade Média, algumas pinturas e nomes da época servem como referência. Pieter Bruegel, Hugo van der Góens e o próprio Rubens, transitam livremente pela obra do autor, assim como inspirações filosóficas de Edward O. Wilson e Barry Bolton, criando elementos orientados por teoria e prática. Entretanto, são os insetos e a memória da vida simbolizada em movimentos que o fascinam.

Mas o que pode representar para um artista que transita suavemente entre as artes, insetos e besouros? Segundo Jan Fabre, é um elemento que transporta a memória e pode ser utilizado para suprir espaços vazios que cercam o corpo. Além da memória, os insetos simbolizam a passagem, a morte, como algo que permanece vivo através da arte, um símbolo espiritual.

Entretanto, o uso de bichos empalhados e insetos faz com que Jan Fabre seja odiado por muitos grupos e ONGs que defendem os diretos dos animais. Em um dos casos, ele foi mais longe, utilizou gatos vivos como parte de uma instalação, onde os felinos eram arremessados ao alto e caíam. Do mau gosto à imaginação perversa, o artista é desprezado e passa a sofrer ameaças por maus tratos. Fala-se até em processos, e que ele chegou a sofrer agressões físicas em um parque de Antuérpia.

Arte com Bic - Royal Museums of Fine Arts of Belgium 


O fato é que esse homem é um ser humano ambíguo e não há como prevê-lo. Sua arte se contrapõe, vai do belo ao feio, da vida à morte, do clássico ao contemporâneo, do interior ao exterior, da atração à repulsa, do simples ao complexo, de ossos, sangue e esperma a bronze. 

Será Fabre um homem egocêntrico, narcisista, capaz de utilizar os próprios fluidos corporais como elementos artísticos, ou não, Fabre apenas utiliza materiais que possam traduzir a alta intimidade de um artista com a sua criação? 

As certezas são improváveis, apenas pode-se dizer que os produtos por ele criados, formam opiniões tão contraditórias quanto o próprio autor. Ame-o ou deixe-o.

Por vezes, também participa como ator em obras que fazem referência a si mesmo. Atualmente, há uma exposição no Museu Real de Belas Artes da Bélgica, uma série com 36 bustos contemporâneos, ora em cera ora em bronze, todos com características entre homem e animal: chifres e orelhas animalizadas, misturadas a caretas, expressões e objetos pessoais. A metade deles, em cera, é exatamente igual à outra metade, em bronze, porém, as peças iguais não se encontram, transitam entre outras imagens.

Metamorfoses do artista, em bronze - Royal Museums of Fine Arts of Belgium

É possível que, para Fabre, os bustos sejam descobertas de seu autorretrato ou, apenas, o alter ego do autor.

Mas...no que diz respeito à arte, pode-se pensar que o artista rompe a barreira da classificação de linguagens, ao reunir, em uma obra, diversas formas artísticas. Sua participação envolve todos os processos, passa pela obra imaginada à encenação, é o autor frente ao ator, a transmutação pessoal de Jan Fabre, desconectado, visceral. 

Essa é a beleza das suas criações, o que o completa como criador, diretor e parte da obra...o que torna legítima sua independência quanto artista.    


Bisou!



*Imagens: Jan Fabre

Comentários

Postagens mais visitadas